sábado, 16 de outubro de 2010

Tiriricas e afins, mais peculiaridades da democracia brasileira.

Dia seguinte às eleições de 03 de outubro. Todos de ressaca eleitoral (apesar da “Lei Seca”). O saldo: ruas sujas pelos cabos eleitorais à espera de um eleitor indeciso que se sujeitasse a catar um “santinho” e resultados mais que ligeiros, em virtude da alta tecnologia adotada nas eleições (menos de 24 h depois do término da votação até os votos das urnas mais longínquas já haviam sido apurados). A população (e eu me incluo) rapidamente teve acesso aos resultados de quem seriam seus novos representantes no legislativo nacional e estadual (senadores, deputados federais e deputados estaduais). Já sabemos também que teremos segundo nas eleições presidenciais. Isso, em princípio, é positivo para a democracia brasileira. Afinal, tem-se mais tempo para que os candidatos possam discutir suas propostas e esses passam a ter o mesmo tempo na propaganda eleitoral gratuita, possibilitando um cenário mais claro para os eleitores. Se isso de fato ocorreu (escrevo este texto em pleno calor do debate político do 2º turno), prefiro comentar mais adiante.


Agora, gostaria de tecer algumas observações sobre o grande fenômeno eleitoral deste ano: a eleição do palhaço Tiririca. Fenômeno tanto em função do número de votos que este recebeu, quanto em termos de mobilização que provocou nas rodas de conversa, pois esse era, sem dúvida, o assunto mais recorrente no dia seguinte à votação. Para mim, foi ótimo. Um pretexto para discutir em sala de aula temas ignorados no debate eleitoral atual, como a reforma política e a reforma eleitoral.


Vi, ouvi e li muitas manifestações de repúdio à candidatura (e eleição) do palhaço Tiririca. Algumas pessoas chegavam a propor mecanismos que impedissem que ex-jogadores de futebol, “mulheres frutas” e outras personagens excêntricas se candidatassem a cargos eletivos. Bem, vamos por partes. Primeiro, impedir candidaturas de figuras populares atenta contra o princípio de liberdade de expressão, elemento fundamental da democracia. Além disso, esse argumento parte do princípio que o eleitor tem que ser tutelado e vigiado. Outro problema de afirmações como essas é que elas têm uma base elitista: médicos, advogados, professores, militares podem se candidatar, mas artistas populares, palhaços, pessoas comuns, não. O grande problema disso é o uso político de que os partidos fazem da popularidade de pessoas como essas, aproveitando-se de brechas do nosso sistema eleitoral.


Enquanto as pessoas discutiam a eleição do palhaço Tiririca, outros temas permaneceram obscuros no debate eleitoral. A eleição do Tiririca não é mais estranha do que o fato de Weslian Roriz,esposa de um candidato “ficha suja”, substituir o mesmo às vésperas das eleições e ainda conseguir ir para o 2º turno. Também não é mais estranha do que a eleição de certos “tubarões” da política nacional. Entendo o voto no palhaço Tiririca, e outros tantos, como um voto de protesto e como descrédito da população nas instituições legislativas. Não acredito que essa seja a melhor forma de protesto, mas entendo.


O pior de tudo é que o Tiririca (ou os seus marqueteiros) parece ter razão. As pessoas não sabem o que faz um deputado e nem as implicações de se votar em qualquer um por protesto. No sistema eleitoral brasileiro, no que se refere aos cargos de vereador, deputado estadual e deputado federal, quanto mais votos um partido receber, mas vagas ele terá nas casas legislativas. Figuras conhecidas trazem a reboque milhares de votos e não só podem se eleger, como carregam consigo outros candidatos do partido.


Muitos discutem a vitória do Tiririca, poucos discutem a reforma nesse sistema. Muitos discutem a aberração da candidatura da “mulher fruta”, ninguém questiona que em pleno segundo turno não se discutem os grandes temas para o Estado brasileiro: reforma tributária, reforma política, reforma previdenciária etc. Ainda se faz uso, nas campanhas, da “demonização” de candidatos, de comparações entre governos sem nenhuma base científica (Lula e FHC são candidatos?) e de temas polêmicos (sem contudo fazer-se um debate aprofundado) e, tudo isso, sem de fato levar em consideração que a função do presidente não é fazer do Estado uma extensão de suas vontades ou seus valores e que fazer leis é função do poder legislativo, sempre observado de perto pela população.

(Érica Melanie)