domingo, 16 de janeiro de 2011

A diferença entre a defesa de direitos e a hipocrisia do “politicamente correto”

Eu sou, inegavelmente, uma apologista da beleza da diversidade e defensora do direito à diferença. Desde que me entendo por gente (e isso já faz muito tempo) defendo idéias que só muito mais tarde fiquei sabendo que poderiam ser identificadas com as discussões sobre inclusão, diversidade e multiculturalismo. O que eu sempre soube, em alguns aspectos intuitivamente, em outros por ter tido a sorte de ser criada em uma família na qual a “normalidade” nunca foi regra, foi que as pessoas têm o direito de serem diferentes e, sobretudo, de serem respeitadas nessa diferença. A raça, a religião, a orientação sexual, a identidade de gênero fazem parte da nossa identidade, mas não nos definem por si só, não nos limitam. A Érica é mais do que uma mulher, heterossexual, branca e não é melhor nem pior do que um homem, homossexual, negro.
Por convicção e formação, me julgo uma pessoa defensora da diversidade. Um dos motivos pelos quais eu fiz História é porque essa é uma ciência que ao mesmo tempo em que nos coloca em contato com a alteridade (com a diferença cultural e temporal), nos proporciona um exercício de empatia (de se colocar no lugar do outro). Depois, ainda fiz uma especialização sobre inclusão (com ênfase em gênero e sexualidade) e um mestrado no qual eu me dedicava a entender uma medida inclusiva acerca das populações afro-descendentes. Assim, no plano acadêmico e nas minhas ações cotidianas, luto pelo combate a qualquer forma de discriminação. Sou a primeira a defender a divulgação das diversas matrizes culturais nas escolas, eliminando a hegemonia eurocêntrica. Quem disse que só existem princesas brancas? Por que só achamos bonitas as bonecas louras? Por que não há nas novelas e nas passarelas mulheres como as mulheres reais? Isso é fato. Se indignar com as manifestações homofóbicas que temos assistido nos telejornais é imperativo, mas lutar pelo direito a diferença é bem diferente de fazer uma reforma vocabular ou ter um surto do politicamente correto.
Eu entendo quando os Movimentos Negros lutam conta o uso de palavras depreciativas para se referir ao cabelo crespo ou quando o movimento de inclusão de pessoas com deficiência exige que a mídia não os trate como aleijados ou “portadores de deficiência”, mas, peraí, segurem os paranóicos. Sim, a palavra tem força. Mas também não é a força supra-humana. Agora, os clássicos da literatura, o folclore e até as conversas de boteco estão sendo satanizadas pelos puristas do politicamente correto. Já sugeriram uma “censura prévia” a determinados trechos de Monteiro Lobato, considerados racistas. Monteiro Lobato foi um homem de seu tempo e deve ser entendido como tal, sua obra não deve ser banida, nem tão pouca tida como um manual, a sua leitura é que deve ser ampliada e renovada.
Bem, destruir as cantigas populares também não nos faz mais cosmopolitas e liberais, talvez apenas mais chatos. Li recentemente um texto bastante interessante do historiador Luis Antônio Simas, no qual ele relata que em certas escolas infantis já não se canta mãos “O Cravo Brigou Com A Rosa”, pois seria uma apologia à violência doméstica. Na nova letra "o cravo encontrou a rosa / debaixo de uma sacada / o cravo ficou feliz / e a rosa ficou encantada". Destruíram Villa Lobos!
O assassínio na cultura popular passa ainda pela eliminação de “Atirei o pau no gato” (pois incitaria maus tratos a animais) e a abolição de “pobre de marre-de-si” (pois cria sentido de desigualdade social). Alguém já pensou em problematizar com as crianças (sim, crianças pensam!) ao invés de achar que elas são apenas esponjas.
Segundo o historiador acima mencionado, “o politicamente correto é a sepultura do bom humor, da criatividade, da boa sacanagem”. Em boa medida, concordo com ele. Chamar “velhice” de “melhor idade” não faz com que respeitemos mais os idosos ou que o Estatuto do Idoso seja cumprido. Brincar com as nossas limitações e diferenças pode ser saudável desde que acompanhadas de discussões. Em tempos que o bullying cresce e se reinventa nas escolas e em outras instituições, não adianta limitarmos os apelidos, se de fato não melhorarmos as reflexões. Afinal, “pouca telha”, “pintor de rodapé”, “quatro olho”, “rolha de poço”, ou seja lá quem você for, você é muito mais que isso.

(Érica Melanie)

2 comentários:

Joelma Paulino disse...

Muito bom Érica!
Adorei o texto, o blog de vocês está muito bacana.
Parabéns!
Beijos

Alfonso Chíncaro disse...

Belo Texto. Dizem que a educação pelo exemplo é uma das formas mais eficazes de se construir o caráter de uma pessoa. Por isso, a probabilidade de meus filhos agredirem um gato ou qualquer outro animal, dificilmente terá sido influenciada por uma cantiga popular. As palavras ditas tornam-se vazias se não estiverem acompanhadas do exemplo que damos.